21. O Amor Extraordinário

O amor ao qual Jesus chama seus seguidores é um que ultrapassa o ordinário. Velhos "amores" que conhecemos são um prefácio insuficiente para as lições que temos que aprender. Laços de família, devoção entre amigos, paixão entre amantes são afeições "naturais", tão comuns ao homem que sua ausência é um sinal de degradação abaixo do humano (Romanos 1:31). Amar aqueles que os amam não dá nenhuma distinção especial aos filhos do reino. Como Jesus observa, até mesmo tais "tipos baixos" como os publicanos e os gentios eram capazes de uma tal troca de benevolências (Mateus 5:46-47).

O "amor" da justiça do reino é extraordinário, não meramente em intensidade, mas em qualidade. É amor de uma ordem diferente e mais alta. Muita da dificuldade que sofremos em nossos esforços para entendê-lo vem da presunção errônea de que ele é do mesmo gênero que nossos afetos naturais, construídos sobre forte reciprocidade, profunda atração, experiências e interesses partilhados. Como, perguntamos, podemos sentir uma afeição calorosa por aqueles que estão se esmerando ao máximo para nos destruir? Nossos inimigos não são somente sem atrativo para nós, mas o seu comportamento é repugnante. Somos repelidos tanto por seus atos como por suas pessoas. É claro que as velhas regras aqui não se aplicam. O amor ao próprio adversário não pode ser construído sobre a emoção.

O amor que pode abraçar seus inimigos não se origina na terra. Homens, mesmo em seus mais heróicos momentos, têm conseguido amar apenas os amáveis (Romanos 5:7). Deus, por outro lado, tem consistentemente amado seus inimigos, mandando chuva e sol, tanto sobre os bons como sobre os maus (Mateus 5:45). Esta boa vontade divina não tem nada a ver com alguma qualidade atrativa que possa ser encontrada em nós. Todos nós temos sucedido em fazer-nos moralmente repugnantes (Eclesiastes 7:20; Romanos 3:9-18) e é altamente improvável que jamais, nesta vida, entenderemos a total repulsa de sua santa natureza por nossos ímpios modos. O anseio de Deus pelos homens vem, como teria que ser, de seu próprio caráter e vontade graciosa. Em sua misericórdia, ele quer fazer o bem àqueles cujas próprias vidas são uma ofensa a sua natureza. Ele tem amado os desamoráveis. Quão verdadeiramente Paulo escreveu, "Mas Deus prova seu próprio amor para conosco, pelo fato de ter Cristo morrido por nós, sendo nós ainda pecadores" (Romanos 5:8).

O poder que abre aos cidadãos do reino do céu a capacidade para amar de tal modo sem egoísmo é o exemplo do Pai deles. Há uma força tremenda naquele que criou todas as coisas. Os céus proclamam sua glória (Salmo 19:1). O universo testifica seu eterno poder e divindade (Romanos 1:20). Mas não é na grandeza de seu poder criador que nós realmente conhecemos Deus (1 Reis 19:11-12). A revelação final, completa de Deus, foi reservada para aquele que veio em "fraqueza" (1 Coríntios 1:27) e esvaziou-se a favor dos outros (Filipenses 2:5f). Só Jesus revelou o Pai em plenitude (João 1:18) e somente quando o vimos foi que conhecemos seu Pai (14:6-7). Nunca olhamos mais diretamente a face do Deus vivo do que quando estamos, pela fé, ao pé da cruz e ouvimos seu Filho clamando por misericórdia para com os homens ímpios que o estão assassinando. Aqui está o poder. Aqui está a divindade. Não negamos seu absoluto poder físico. Não podemos resistir a sua sabedoria. Sua justiça perfeita enche-nos de reverente temor. Mas quando, por Cristo, encontrarmos acesso às "profundezas de Deus" (1 Coríntios 2:10) saberemos que não há nenhuma descrição mais verdadeira do divino caráter do que a breve afirmação de João, "Deus é amor" (1 João 4:8).

Os homens que estão sendo beneficiados de tal graça imerecida devem ser capazes de entendê-la e aplicá-la a outrem. Na verdade, "Nós amamos porque ele nos amou primeiro" (1 João 4:19). Mas este amor é um amor da vontade, e não das emoções. Nosso Salvador não está pedindo que tenhamos uma afeição calorosa aos nossos inimigos. Na realidade, nosso sucesso em verdadeiramente amá-los será diretamente dependente da nossa capacidade de desligarmo-nos de seu comportamento e responder a sua verdadeira necessidade, antes que a sua conduta. Em seu comentário ao Evangelho de Mateus, William Barclay deu-nos uma descrição muito adequada desta qualidade celestial de amor: "Agape [amor] não significa um sentimento do coração, que não podemos evitar, e que vem sem ser convidado e sem ser chamado; ele significa uma determinação da mente, pela qual atingimos esta boa vontade inconquistável até para com aqueles que nos ferem e nos injuriam." Este é o tipo da determinação moral que tem que vir finalmente para ser o fundamento de todos os nossos outros amores. Ele tem que ser a força de sustentação sobre a qual são construídas as profundas afeições do casamento e da família, a camaradagem sem egoísmo dos amigos e, acima de tudo, a comunhão dos santos.

"Portanto, sede vós perfeitos, como perfeito é o vosso Pai celeste" (Mateus 5:48). Há algo incomensuravelmente grande, bem como profundamente perturbador, sobre ser chamado para ser como Deus. A possibilidade emociona ao mesmo tempo que amedronta. A perfeição que Jesus tanto promete como ordena aos seus discípulos não se refere à justiça sem pecado de Deus, mas à plenitude e inteireza de seu amor. Nossa boa vontade, seletiva e imperfeita, tem que ser ampliada para abranger todos os homens. Tal amor não será comprado por um preço barato. Dor e agonia estão no processo. Mas temos que crescer para sermos como nosso Pai ou deixar o direito de sermos chamados seus Filhos (1 João 4:7-8).


22. Temos Que Amar Nossos Inimigos Sempre?

O amor exigido do discípulo do Senhor é radical. É muito mais do que a civilidade que evita que uma pessoa exerça vingança pessoal sobre seus inimigos. É a boa vontade positiva que a obriga a orar e trabalhar pelo máximo bem dos seus adversários (Mateus 5:44; Lucas 6:35). Não é surpresa, portanto, que os homens sempre tenham lutado contra seu impacto.

Tem o cidadão do reino que agir sempre pelo eterno bem-estar dos outros? Tem que ser esta a sua atitude, quando sua propriedade e até mesmo sua vida estão sendo ameaçadas? Tem (o discípulo, como agente de polícia, soldado, pai, mãe, etc.) que governar continuamente seu comportamento por este princípio sem egoísmo, que redime?

Esta questão tem dividido os séculos pela controvérsia, alguns argumentando que o princípio do amor do Sermão é absoluto e universal, outros defendendo várias exceções. Por dois séculos depois da morte dos apóstolos nenhum escritor cuja obra sobreviveu aprovou a participação dos cristãos em guerra. Seguindo o reino de Constantino, quando o império que agora era "cristão" estava sob o ataque das hordas bárbaras, Agostinho e outros, enquanto ainda aconselhavam a não-violência pessoal, permitiam, e até incitavam, os cristãos a participarem de "guerras justas", como agentes do estado civil. Agostinho defendia tal guerra como defensiva do último recurso empreendido pela autoridade constituída por justas causas, por meios justos e por justos fins (Roland Bainton, Atitudes Cristãs Para Com a Guerra e a Paz, pág. 66, 67, 89-100). As vozes dirigentes da Reforma mantinham o ponto de vista da "guerra justa", justificando pelas guerras de Israel, o envolvimento de cristãos em combates militares e fazendo distinção entre o discípulo como um indivíduo e o discípulo como um agente do estado.

Não há caminho fácil para resolver a questão, se o cristão tem sempre que amar seus inimigos, envolvendo-nos, como o faz, nas difíceis disputas sobre a relação do cristão com o estado, e o direito à defesa pessoal. Não obstante, cremos que a resposta à pergunta que levantamos deveria ser um irrestrito "sim".

Quando alguém argumenta com o direito irrestrito à auto-defesa pessoal contra os ensinamentos de Mateus 5:38-48, o mandamento do Senhor para obrar o máximo bem dos seus inimigos é efetivamente anulado. Excluindo o direito à auto-defesa, em casos de ataque por causa do evangelho, deixa o cristão, na posição quase impossível de ter que apurar rápida e acuradamente o motivo de seu assaltante. Estamos contentes em dizer que qualquer auto-defesa consistente com o bem eterno de nosso adversário é totalmente permissível (Mateus 7:12).

Quando alguém argumenta que as guerras de Israel estabeleceriam que um povo mandado amar seus inimigos pode também mover guerra contra eles, deveria pelo menos se notar que estas foram guerras de agressão não provocada, e freqüentemente de extermínio, que foram lutadas por ordem de Deus (Êxodo 23:31-32; Deuteronômio 20:10-19). Elas exprimem mais o direito de Deus julgar os iníquos do que qualquer caso de "guerra justa." É difícil, se não impossível, comparar as guerras modernas com as guerras de Israel (Clouse, Guerra: Quatro Pontos de Vista Cristãos, pág. 10).

Uma "guerra justa", movida por homens não convertidos, sempre foi mais sonho do que realidade. Dificilmente há uma guerra moderna, talvez nenhuma, na qual ambos os lados de algum modo claro não violaram o modelo da "guerra justa". A guerra moderna nos força a perguntar como a justiça pode ser imposta ao culpado e o inocente preservado pelo bombardeio cerrado de cidades inteiras ou a incineração de populações inteiras, em um holocausto atômico. E, mesmo que isto não fosse verdade, restaria a carga impossível que este ponto de vista coloca sobre o cristão para saber coisas sobre os conflitos internacionais que geralmente não se tornam conhecidas até anos mais tarde. Nenhuma nação move abertamente uma guerra injusta. A justiça é sempre o grito pelo qual elas incitam sua cidadania às armas.

No caso extremo, podemos estar lidando no estado civil com um instrumento de Deus, que existe pela sua autoridade permissiva (Romanos 13:1; João 19:11) e o qual ele usa como um "vaso de ira", para manter a ordem em um mundo ímpio (Isaías 11:5-7,12; Jeremias 25:9; Isaías 14:4-6; Daniel 4:17,24-25; Isaías 44:28; 45:1). Pelo menos estamos lidando com uma instituição sob uma incumbência limitada para agir com justiça, punindo o malfeitor e protegendo o inocente (Romanos 13:1-7; 1 Pedro 2:13-14). Em nenhum caso estamos livres para ter um relacionamento insensato com a autoridade civil, ingenuamente presumindo que porque Deus a "ordenou", ela sempre agirá de acordo com sua vontade. Os dominadores deste mundo estão muitas vezes retratados nas Escrituras como inimigos dos propósitos de Deus (Salmo 2:1-2; Daniel 2:44). A ascensão do nacionalismo tem freqüentemente feito de cristãos patriotas insensatos em todos os países, a lealdade ao grande Rei quase esquecida na febre de um partidarismo estreito. Em nenhum caso temos permissão para entregar nossa responsabilidade por escolhas morais ao estado e assim escapar do compromisso que fizemos, de amar a todos os homens. O reino do céu é uma comunidade de "todas as tribos, e línguas, e povos, e nações" que tem que cumprir a visão profética de um reino onde o homem não mais aprende a guerrear (Isaías 2:4; 11:9). Se, no serviço do reino da justiça, renunciamos a nossas vidas, nada inesperado terá acontecido (Lucas 14:26). Em qualquer circunstância em que nos encontremos, teremos que amar nossos inimigos. Se nossa circunstância previne isso, então nossa circunstância tem que ser mudada.


23. A Vida Voltada para Deus

O quinto capítulo de Mateus contém um profundo estudo da justiça do reino do céu (5:20-48). Jesus começou atacando a atitude hipócrita dos fariseus no seu lado mais aparente: seu tratamento dos outros. Ele torna claro que a verdadeira justiça é uma piedade que atinge o fundo do coração, sondando os motivos e atitudes e não meramente tratando de palavras e ações. A base de tudo do que ele prescreve, ainda que nunca explicitamente declarada, está o resultado prático do antigo mandamento para amar ao próximo como a si mesmo. Entretanto, se o tratamento sem amor que os fariseus davam aos outros fosse a mais óbvia manifestação de sua falência espiritual, não era aqui que os problemas deles haviam começado. É àquela área onde a verdadeira justiça começa que o Mestre agora se dirige (capítulo 6).

Quando Jesus concluiu seu ensinamento sobre o amor ao próximo, ele havia elevado seus ouvintes ao próprio trono de Deus. "Portanto, sede vós perfeitos, como perfeito é o vosso Pai celeste" (5:48). É aqui que a chave de toda a piedade, tanto moral como espiritual, repousa: não em nossas relações com outros, mas em nosso relacionamento com Deus. "Amarás a teu próximo como a ti mesmo" é o segundo dos grandes mandamentos; o primeiro é "Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração" (Mateus 22:35-37).

Os homens têm lutado através dos séculos para erigir um código ético separado da divindade. Mas, como Schopenhauer uma vez escreveu: "Ensinar moralidade é fácil. Encontrar uma base para a moralidade é difícil." Tais esforços têm falhado porque, na ausência de um Deus moral que se interessa pelo comportamento de suas criaturas, todos os códigos morais são arbitrários e sem significado. Na verdade, se não existe tal Deus, é inconcebível que o homem possa sequer existir como um ser moral. Ele deveria simplesmente ser incapaz de cogitar de questões éticas. O fato de o homem ser moral fala eloqüentemente da existência de um Deus moral.

Mas uma ética do comportamento humano, mesmo uma tão grande e verdadeira como "Amarás o teu próximo como a ti mesmo", não pode apoiar-se em si mesma. Torna-se sem sentido e impossível, fora de um profundo comprometimento com o Deus de cuja natureza e vontade toda a estrutura moral do universo depende. Homens que querem tratar de moral têm que tratar com Deus. Essa é a razão pela qual não é possível cumprir a ética do reino do céu, a não ser por aqueles que estão aptos para o reino. Ela não pode ser mantida por homens não convertidos.

Quando o capítulo 5 termina, Jesus já tratou com pormenores da verdadeira justiça, mas o manancial dessa justiça até aqui só foi vislumbrado. Ela é uma justiça do coração, global e indivisível. Mas, mesmo quando o capítulo atinge seu clímax, no chamado ao amor dos próprios inimigos, somos levados a bradar, em desespero, "Como?!" E quando ainda estamos perguntando, nossa atenção é chamada para o céu. É só Deus quem pode abrir a possibilidade de tal amor entre homens. Como diz João, "Amamos porque ele nos amou primeiro" (1 João 4:19). Homens, apartados de Deus, podem reconhecer até certo ponto a necessidade de amar a outrem, desta mesma maneira pura, porém jamais encontrarão dentro de si mesmos a força espiritual para fazer isso. Somente num absoluto compromisso com Deus isso se torna possível.

É necessário ser entendido, mais ainda, que as exigências éticas do reino não são um fim em si mesmas. Como Jesus esclarece antes de introduzir esta nova dimensão da justiça, o propósito de todos os mandamentos éticos é transformar-nos em retratos de nosso Pai. Então, se entendemos corretamente o que Jesus está dizendo, a questão com a qual terminaremos cada dia não é, "Cometi homicídio ou adultério ou isto ou aquilo?" mas, antes, "Deus foi o primeiro em minha vida hoje?" "Cumpri seus mandamentos?" "Fui fiel a ele?" "Conheço-o melhor; sou mais parecido com ele?"

Os homens sempre foram lentos no entender que o pecado mais fundamental de todos não está no nosso mau trato dos outros, mas em nossa teimosa e orgulhosa recusa em adorar e honrar a Deus acima de tudo o mais. É a esta criminalidade cósmica que Paulo fala em Romanos, quando ele diz do mundo pagão: ". . . porquanto, tendo conhecimento de Deus não o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças, antes se tornaram nulos em seus próprios raciocínios, obscurecendo-se-lhes o coração insensato." (1:21). É por causa deste crime central que os homens têm afligido a si mesmos com tais horrores de imoralidade e desumanidade (1:26-32), e não o inverso. A primeira tarefa de homens à procura da justiça do reino de Deus é tratar com o próprio Deus, e a única abordagem que tem sido aceitável por ele foi a da absoluta humildade e devoção.


24. O Problema do Orgulho

Talvez não haja maior rival do amor que devemos a Deus do que o ego humano. O orgulho reside no coração do espírito do pecado: o perverso desejo dos homens de serem "como Deus", de situarem-se no centro de tudo. É a morte dessa mente egoísta e arrogante, sempre exaltando a si mesma, contra o conhecimento de Deus, que o evangelho exige. Este orgulho tem em si uma qualidade escura, porém espiritual. É um desejo da mente, não da carne. O prazer que ela encontra não está no mal feito, mas na própria idéia de rebelião. Em suas Confissões, Agostinho se recorda de um tempo, em sua juventude, quando ele e alguns amigos roubaram frutos da pereira de um amigo e deram a maior parte deles aos porcos. Não foram as peras que o atraíram, ele disse, porque tinham melhores em casa, mas a emoção de tomar o que era proibido (Livro II, cap. 4).

É a este problema central e crítico do orgulho que Jesus agora volta sua atenção, quando ele começa um estudo de três coisas que subverterão a verdadeira devoção a Deus do cidadão do reino (6:1-34). Ele introduz esta primeira parte (versículos 1-18) com um mandamento que estabelece um princípio: "Guardai-vos de exercer a vossa justiça diante dos homens, com o fim de serdes vistos por eles". Ele, então ilustra sua advertência em três áreas da piedade religiosa: dar esmolas, orar e jejuar.

Fica-se imaginando, logo de saída, qual seria a atração possível que os atos de dar esmolas, de orar e de jejuar poderiam ter para o homem orgulhoso, desde que eles estão tão ligados à humildade diante de Deus e a um cuidado desinteressado pelos outros. Entretanto, a advertência de Jesus esclarece que até mesmo a piedade religiosa pode, através da intermediação do orgulho, tornar-se uma perversidade intoxicante, egoísta. O que era que arrastava os arrogantes fariseus para os cofres do Templo, e para freqüentes ocasiões de orações e jejum (Lucas 18:10-12)? Era a esperança de se elevarem por si mesmos. Para cada colherada de humildade aparente investida, esses hipócritas colhiam um quilo de vanglória. Por tudo isto, precisamos ficar advertidos de que é altamente possível fazer a coisa mais nobre pela razão mais corrupta. Mera adoração e generosidade não dão a um homem a certeza de refúgio do mal. Satanás o seguirá até dentro do recinto da oração e tornará sua própria adoração em pecado. Um homem tem que manter seu coração puro e seu amor verdadeiro. Deus tem que ser o objetivo de tudo.

Este princípio recém declarado pode, de início, parecer contrariar a ordem anterior de Jesus para que "Assim brilhe também a vossa luz diante dos homens" (5:16), mas não existe nenhuma contradição real. Há um mundo de diferença entre fazer o bem para refletir honra ao Deus que fez tal bondade possível e fazer o bem de modo a atrair honra sobre si mesmo. Não é sermos vistos pelos homens o que preocupa o Salvador, mas o desejo de sermos vistos por eles.

Pode não ser necessário afirmar isto, mas o ponto verdadeiro aqui não está em se agradar a Deus ou aos homens (um problema real, também) mas em se agradar a Deus ou a nós mesmos. É este insidioso deleite com nossa própria importância que envenena toda a piedade que pretendemos. Não é para o bem deles que desejamos ser vistos pelos homens, mas pelo nosso. A matéria é resolvida facilmente se formos bastante humildes para desejar isso. Como Bonhoeffer o expressou, nossa luz é para ser vista pelos homens, mas escondida de nós mesmos.

Orgulho, vanglória, eis a própria essência da mentalidade anti-Deus. Homens consumidos pelo orgulho não podem amar a Deus. Ele é o inimigo deles, o rival deles, aquele que está postado onde eles gostariam de estar. Mas não é só a Deus que eles não podem amar. O orgulho, finalmente, nos impede de amar quem quer que seja. Todos os homens são vistos como rivais de nossa posição de honra. Outros não podem ser tratados como amigos, muito menos como irmãos. Podem ser tolerados somente como servidores da nossa própria vaidade, ferramentas para serem dispensadas quando cessarem de servir bem ao seu propósito. Até mesmo o mundano imoral, enredado na concupiscência da carne, pode apreciar a calorosa camaradagem com seus colegas do mundo, mas ao homem orgulhoso até isto é negado.

A coisa mais decisiva sobre o orgulho é sua sutileza. Ele pode nutrir-se dos próprios esforços que fazemos para esmagá-lo. Primeiro, somos negligentes com nossa escancarada vaidade. Então, arrependemo-nos de nossa arrogância. Aí, orgulhosamente, observamos quão bravamente e completamente deixamos nossos modos vãos para trás. A seguir, "vemos além" do embuste do orgulho e de novo nos enchemos de remorso. Então, lá vem, rastejando lentamente, um sentimento de presunçosa satisfação conosco mesmos, porque fomos tão ligeiros em detectar o orgulho, neste esforço sutil para nos recuperarmos. O processo pode continuar sem fim. O orgulho não se importa em ceder campo, desde que conserve a fortaleza.

Como, então, escaparemos desta arrogante auto-estima que nos impossibilita de conhecer a Deus ou de amar os homens? Não é pela concentração nela. Humildade verdadeira não consiste em pensar que você é desprezível, mas consiste simplesmente em não pensar nada sobre você. O orgulho morre só quando o próprio "eu" é esquecido; e nos esquecemos de nós mesmos, somente em face de uma muito maior lealdade e devoção. O velho "eu", arrogante e vão, terá morrido quando Cristo de tal modo nos encher que não mais haverá nenhum lugar para qualquer outra coisa (Gálatas 2:20; Colossenses 3:3), quando pudermos dizer, quase sem pensar, "Cristo é tudo" (Colossenses 3:11b). Que pensamento abençoado!


25. O Toque das Trombetas

No Sermão da Montanha, Jesus não estabelece nenhumas instituições específicas de adoração. Tratando simplesmente com princípios, ele os ilustra com expressões da piedade religiosa já familiares aos seus ouvintes (note 5:23). Doação de esmolas, como oração e jejum, não eram nada novo para seus ouvintes. A lei de Moisés não deixou dúvidas quanto ao cuidado de Deus pelos pobres. Providências especiais foram tomadas quanto às suas necessidades (Êxodo 23:11; Levítico 19:9-10). Foi pronunciada uma bênção para àqueles que se lembrassem deles (Salmo 41:1) e uma maldição sobre os que não o fizessem (Provérbios 21:13). Entretanto, doar aos pobres, como todas as outras expressões de devoção a Deus, pode azedar-se, por um motivo perverso. A ausência de um coração voltado para Deus, naquilo que fazemos para outros polui tudo. Naturalmente, se o amor ao dinheiro é o problema de um homem, a doação de tudo que ele possui aos pobres poderia bem ser uma solução (Mateus 19:21), mas dar esmolas não é, necessariamente, uma resposta para o homem orgulhoso (1 Coríntios 13:3). Pode servir só para inflar seu já enorme ego. É a este assunto que Jesus se dirige na primeira das suas ilustrações da hipocrisia religiosa.

"Quando, pois, deres esmola, não toques trombeta diante de ti" (Mateus 6:2). Dois meios poderosos de conter presos os cães da auto-glorificação são dados aqui pelo Salvador. O primeiro é: não toque trombeta cada vez que você fizer algo bom. Isto é, não o anuncie aos outros. Não é provável que os hipócritas, aos quais Jesus se refere, fossem tão espalhafatosos ao ponto de tocarem, realmente, uma trombeta cada vez que passassem uma moeda a uma pobre alma. O Senhor está simplesmente usando uma figura de linguagem. Há outros modos mais sutis e mais efetivos de se obter publicidade para sua generosidade, sem parecer tolo.

Quando Jesus fala das "sinagogas" e "ruas" como sendo lugares populares para o exercício da generosidade hipócrita, ele não está dizendo que esses locais sejam impróprios para mostrar compaixão. Afinal, era justamente nesses locais muito freqüentados que os mendigos procuravam ajuda (João 9:1,8; Atos 3:2). Ele está antes atacando a disposição vangloriosa de alguns a representar exclusivamente em público.

Há, porém, uma forma mais sutil e mais perigosa desta moléstia do ego: a vontade de dar esmolas em esquinas quietas e anunciar isso mais tarde, bem de maneira descuidada. É sempre tão fácil, quando falando "compassivamente" das necessidades dos outros, mencionar sempre bem despreocupadamente o que fizemos por eles. Jesus nos adverte, em termos nada ambíguos, para mantermos a boca fechada sobre o assunto, contentes porque nosso Pai sabe.

Os cidadãos do reino são pessoas em busca do caráter piedoso, não de uma mera reputação de piedade. Entretanto, se a justiça do céu é do coração, ela não é monástica nem reclusa. Há manifestações óbvias e abertas de verdadeira religião e o discípulo do Senhor não faz nenhum esforço para esconder dos outros sua vida, porém não é para receber honra por ela que ele assim faz. Seu cuidado pelo pobre e o desafortunado é simplesmente uma extensão do amor compassivo do seu Pai.

"Tu, porém, ao dares a esmola, ignore a tua esquerda o que faz a tua direita" (Mateus 6:3). Deixar de anunciar nossas boas ações aos outros ataca o problema porém incompletamente. Conforme o escritor e pregador do quarto século, Crisóstomo, observou, "Podeis praticar boas ações diante dos homens e, entretanto, não procurar o louvor humano; podeis praticá-las em segredo e, entretanto, em vosso coração, desejar que elas possam vir a ser conhecidas, para ganhar esse louvor." É por esta razão que Jesus dá a segunda ordem: não a anuncie a si mesmo! Este é o ponto da metáfora do Senhor sobre as mãos. Nosso dar tem que ser totalmente sem auto-consciência, sem qualquer pensamento em algum crédito que seja lançado em nossa conta com os outros. Não devemos manter a conta (Mateus 25:37). Deus é quem fará isso.

Não há nada que mais envenene o manancial da verdadeira bondade para com os outros do que procurarmos, ao mesmo tempo, nossos fins em cada ato de bondade. Isso custa ao que o pratica todo o sentido de integridade, inteireza e paz da consciência, sem falar em toda a recompensa de Deus. Mas lembre-se de que tal hipocrisia é sutil, prendendo nossos corações quando menos o pretendemos ou o esperamos.

O maior exemplo desta mente desinteressada, não calculista, consciente de Deus, é Jesus. Sua paixão nunca foi para com ele mesmo. Ele entrou na História inteiramente para o benefício dos outros. Ele se fez carne, não para cumprir sua agenda, mas para cumprir as obras de seu Pai (João 5:19), para falar as palavras de seu Pai (João 7:16-18; 12:49-50) e para fazer a vontade de seu Pai (João 5:30; 6:38; 14:31). É justamente esse espírito de auto-negação que cada discípulo verdadeiro do Senhor almeja ter. É, quando praticado, a morte absoluta de toda a hipocrisia e falsidade. No coração onde Cristo e seu amor pelo homem dominam tudo não sobra lugar para o "eu".

Reflita. Sempre que você estiver agindo para aliviar as necessidades dos despojados e dos desafortunados e certa sensação de satisfação consigo mesmo e presunção começarem a rastejar sobre você, ou um desejo de que outros saibam quão nobre você é, preste atenção, e você ouvirá o clamor das trombetas troando.


26. Purificando Nossas Orações

"E, quando orardes, não sereis como os hipócritas; porque gostam de orar em pé nas sinagogas e nos cantos das praças, para serem vistos dos homens" (Mateus 6:5). Jesus agora toma sua segunda ilustração daquela piedade desinteressada que é totalmente centrada em Deus e sem falsidade. Como no caso das esmolas, ele a coloca contra a conhecida prática dos hipócritas religiosos.

A oração não é uma opção espiritual. Ela repousa no centro essencial do relacionamento do homem com Deus; a oração e a verdadeira justiça são inseparáveis. Esta é a razão pela qual não há nada mais profano do que representar para as platéias, quando alguém deve estar se dirigindo a Deus. É uma ousada forma de desrespeito atirada diretamente à face da Majestade do Alto. É bastante ruim representar jogos hipócritas com o pobre. É desastroso dissimular na face de Deus.

A oração, pela própria natureza, requer a abertura do coração, em absoluta simplicidade, ao Todo Poderoso. Este espírito nunca foi melhor expresso do que no apelo de Davi: "Sonda-me, ó Deus, e conhece o meu coração; prova-me e conhece os meus pensamentos; vê se há em mim algum caminho mau, e guia-me pelo caminho eterno" (Salmo 139:23,24). Quando pomos até mesmo nossas conversas com o Senhor do Universo a serviço duma vanglória arrogante, fazemos um avanço considerável na arte da corrupção espiritual.

Os cidadãos do reino, diz Jesus, não devem orar como os hipócritas da sinagoga. Os fariseus e os do seu tipo amavam orar, porém não amavam a Deus. Jesus uma vez tomou as palavras de Isaías para descrevê-los: "Este povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe de mim." (Mateus 15:8). Seu crime não estava na mera indiferença a Deus. Eles poderiam ter feito isso deixando de orar completamente. Estes farsantes estavam usando a oração como um instrumento de auto-elevação, um meio de estabelecerem uma reputação barata de piedade.

O Senhor, nesta ocasião, não está efetuando um ataque contra a oração em público. Como foi notado antes, o pecado dos escribas e fariseus não estava em serem vistos, mas no seu desejo de serem vistos. Eles amavam orar, não pelo amor à oração ou ao Deus a quem estavam se dirigindo, mas pelo amor a si mesmos e pela ocasião que ela lhes dava para exibirem sua "piedade". O estilo das orações dos fariseus era como aquele descrito num relatório de jornal de um serviço religioso que, com referência à oração, disse: "A mais bela oração jamais oferecida a uma congregação de Boston!"

O pecado dos hipócritas não estava em ficarem em pé para orar (uma prática comum entre os judeus, Lucas 18:13), ou em fazer isso numa esquina ou na sinagoga. A oração tinha um papel importante na vida religiosa judaica, na adoração no Templo, na sinagoga e em outros lugares públicos, e nas devoções pessoais. Algumas destas orações eram fixadas pela tradição a certas horas do dia (Atos 3:1; 10:30) e poderiam ser feitas tanto pública como privadamente, dependendo das circunstâncias de cada um. Os escribas e fariseus, devido ao seu amor à celebridade (Mateus 23:6; Marcos 12:39), haveriam de certificar-se de que a hora das orações os encontrasse num cruzamento bem movimentado. A oração em particular não haveria de ter nenhum encanto para eles.

"Tu, porém, quando orares, entra no teu quarto, e, fechada a porta, orarás a teu Pai que está em secreto; e teu Pai que vê em secreto, te recompensará" (Mateus 6:6). Para fazer a força de sua exortação mais intensa, Jesus se move do pronome pessoal plural para o singular. Ele está lutando com uma atitude pessoal íntima e não com as formas de adoração coletiva. Nossa verdadeira atitude para com Deus é muito mais revelada pelas devoções solitárias do que pelas públicas. Entretanto, tão certo como Jesus não proibe oração em público, por estas palavras, ele não está simplesmente instando seus ouvintes para que sejam diligentes em suas petições particulares. Ele, certamente, não está meramente apelando a eles para que encontrem um lugar para falar com Deus onde as distrações da vista e o som sejam mínimas. O "quarto" nesta passagem é totalmente metafórico. A maior distração da verdadeira conversa com Deus não é o ruído ou outras pessoas, mas o ego humano. É desta mente egoísta que temos que nos esconder, para orar a nosso Pai aceitavelmente. Não há esconderijo físico que possa nos assegurar contra o orgulho. Ele nos ataca em toda a parte, até mesmo em nossos "quartos", onde podemos ser encontrados desejando, até mesmo em nossa solidão, que houvesse alguém ali para apreciar nossas orações. E, mais tarde, poderemos satisfazer nosso desejo, contando a outros quanto tempo e quão freqüentemente temos orado a sós.

Nossas orações a Deus nunca podem ser puras, em qualquer lugar, enquanto elas não se tornarem a expressão natural de uma mente desinteressada, com o desejo de honrar e agradar àquele de quem emanam todas as bênçãos. Ore sempre (1 Tessalonicenses 5:17) e em todo lugar (1 Timóteo 2:8). Ore na assembléia dos santos e ore ao lado do leito. Ore no meio do alvoroço da multidão ou num recanto quieto. Certifique-se, somente, de que seu coração é genuíno e de que sua mente é sincera, que você fala com Deus e não aos homens. De outro modo, você já foi recompensado pela sua vaidade (6:5-6); e esta é uma pobre remuneração, de fato!


27. A Repetição Não Garante a Aceitação

"E, orando, não useis de vãs repetições, como os gentios; porque presumem que pelo seu muito falar serão ouvidos. Não vos assemelheis pois, a eles; porque Deus, o vosso pai, sabe o de que tendes necessidade, antes que lho peçais" (Mateus 6:7-8). Não se duvida de que, entre os escribas judeus, havia uma tendência por preces longas e pretensiosas. O autor do livro apócrifo Ecclesiasticus (escrito no intervalo entre o Velho e o Novo Testamento), instava seus leitores para que "não se dessem a muita tagarelice", quando orassem. Jesus repreendeu os escribas do seu tempo, cujas preces públicas cresciam em extensão e pretensão conforme suas vidas privadas se tornavam mais repreensíveis (Marcos 12:40; Lucas 20:47). Mesmo do lado pagão, Sêneca falou daqueles seus contemporâneos que eram culpados de "fatigarem os deuses" com suas intermináveis petições.

Poderíamos ser tentados a acreditar (dada a ênfase dos versículos precedentes, 6:2-6) que é a este tipo de postura hipócrita na oração que Jesus se refere, se não fossem as claras palavras de nosso texto. Há uma mudança óbvia no versículo. Em vez da hipocrisia dos fariseus, Jesus se volta para reprovar a ignorância dos gentios. Ao contrário dos hipócritas judeus, cuja única preocupação era com o aplauso da multidão, esses gentios realmente queriam ser ouvidos pelos poderes dos céus (versículo 7b), mas eram impedidos em seus esforços pela ignorância fatal da real natureza de Deus (veja Atos 17:22-23).

As preces pagãs nasceram da natureza das divindades pagãs. Os deuses da Grécia e de Roma não tinham qualquer semelhança com Jeová dos Exércitos. Eles eram moralmente indiferentes, caprichosos e imprevisíveis, geralmente desinteressados das ocupações dos homens (veja 1 Reis 18:27). Os gentios estavam geralmente aterrorizados com seus deuses e procuravam aplacá-los ou ganhar sua atenção pela repetição interminável de fórmulas rituais. Pensavam que estes encantamentos tivessem um poder totalmente à parte da atitude ou do caráter do suplicante. O adorador pagão não podia depositar nenhuma esperança de ser ouvido, quer no senso de justiça, quer na compaixão dos deuses, uma vez que eles eram desprovidos de ambos. Tudo dependia das fórmulas corretas. O historiador Will Durant descreveu a religião grega como "um sistema de mágica mais do que de ética" (The Story of Civilization, vol. II, p. 201). Da religião romana, ele escreveu: "Ajudou esta religião a moral romana? De certo modo, ela era imoral: sua ênfase no ritual sugeria que os deuses recompensavam não a bondade, mas as oferendas e as fórmulas" (The Story of Civilization, vol. III, pág. 67).

A chave da prece, para os gentios, não estava na sinceridade de seus espíritos, ou na piedade de suas vidas, mas em "muito falar". As "vãs repetições" que Jesus rejeita não se referem, primariamente, à mera verbosidade, e certamente não à sincera persistência na oração, que Jesus tanto exemplificou (Mateus 26:36-46) como ordenou (Lucas 18:1-8), mas a uma crença de que o segredo da prece efetiva está nas palavras antes que na vida e na atitude do adorador. Repetições negligentes não empenham o coração, o qual é absolutamente essencial para a comunicação com Deus (João 4:24). Temos que chegar a ele com uma devoção pura.

O princípio que Jesus expõe aqui é violado, hoje em dia, quando começamos a pensar que o simples número de nossas orações é mais importante do que o espírito que damos a elas, e que o segredo de sua força está na sua formulação correta. Deus não é uma máquina. Parece-me que há um pouco disso presente em nossa insistência mecânica que uma oração não é aceitável a não ser que ela seja concluída com as palavras: "em nome de Jesus" ou outra equivalente. Nem é preciso dizer que precisamos, continuamente, confessar e estar cientes da impossibilidade de acesso a Deus, exceto pela intercessão de seu Filho. É, também, edificante lembrarmo-nos, mesmo em nossas orações, que Jesus é nosso mediador com o Pai, mas "em nome de Jesus" não é uma fórmula mágica calculada para garantir que Deus aceite nossa oração, quer queira, quer não. Como no caso do batismo "em nome de Jesus Cristo" (Atos 2:38) ou fazendo tudo "em nome do Senhor Jesus" (Colossenses 3:17), é algo que você faz, não só o que você diz. Orar "em nome de Jesus" (João 14:13) tem algumas importantes implicações para nossa atitude e comportamento. É orar com uma viva consciência da mediação redentora de nosso Senhor (João 14:6). É, também, orar com espírito de submissão a sua vontade, um espírito que não quer pedir nada que seja contrário a sua natureza e propósito eterno (1 João 3:22; 5:14). Nossos balidos carnais na direção de Deus não ficarão mais santificados, porque terminamos nossa oração com o esperado "em nome de Jesus" (Tiago 4:3), do que um "batismo", executado contrariamente às instruções de Deus, será tornado santo porque alguém pronuncia que ele está sendo feito "em nome de Jesus Cristo." Nossa distraída recitação de palavras "de oração", quer seja rica em conteúdo ou bela de expressão, não nos abrirá as portas do céu simplesmente porque elas possuem a "forma" certa. Oração, no reino do céu, é simplesmente a conversa sincera e aberta, contudo reverente, de um filho com seu Pai, um Pai que ele sabe está ansioso e alegre em ouvi-lo.


28. ". . . Vosso Pai Sabe . . ."

Os gentios gastavam a maioria dos seus esforços na prece, só tentando obter a atenção de suas desatentas divindades. Eles também sentiam a necessidade de informar seus preocupados deuses sobre assuntos que poderiam, de outro modo, passar despercebidos, sem serem notados. Tais cuidados jamais deveriam sobrecarregar as orações dos cristãos porque, como Jesus diz, ". . . Deus, o vosso Pai, sabe o de que tendes necessidade, antes que lho peçais" (Mateus 6:8). O Deus verdadeiro não ignora as necessidades de seus filhos (ou teríamos que informá-lo) nem é relutante a supri-las (ou teríamos que persuadi-lo). Ele não só sabe quais são nossas necessidades, absoluta e intimamente, mas está firmemente decidido a supri-las (2 Coríntios 9:8; 1 Pedro 5:6-7; Efésios 3:20). Com esta admoestação o Senhor procura remover dos corações dos seus discípulos aquele espírito de terror, medo e incerteza que tanto dominavam as preces dos pagãos. Os cidadãos do reino têm um Pai, a quem eles sempre podem se chegar, com desembaraço e confiança (Hebreus 4:16; 10:19-22).

Ao dar certeza aos seus discípulos da proximidade e acessibilidade do Pai, Jesus não tem intenção de levantar questões sobre a necessidade da oração. Pelo contrário, ele quer fazer nossas vidas mais cheias de orações. A oração é vista como vital para a vida no reino. A própria vida de nosso Salvador estava cheia de sinceras súplicas ao seu Pai, e neste Sermão ele não somente presume que seus discípulos hão de orar, mas torna claro que no reino de Deus as coisas não buscadas nem pedidas serão coisas não encontradas (Mateus 7:7-8).

Ainda assim, até mesmo mentes conscienciosas são levadas a cogitar. Se Deus sabe, e nos deseja dar aquilo de que necessitamos, por que ele não simplesmente o provê, sem que o peçamos? Será que isto não torna meio arbitrário o mandamento para orar, e arrisca deixar a impressão de que Deus simplesmente gosta de nos ver rastejando por nossas carências? Uma das verdades sobre a natureza de Deus, que brilha através de todas as Escrituras, é que ele nunca é arbitrário ou caprichoso naquilo que ele pede aos homens para fazerem (1 João 5:3). Cada mandamento tem um propósito e é sempre "para o nosso perpétuo bem" (Deuteronômio 6:24; 10:12-13). Pode haver muita coisa sobre o propósito e o funcionamento da oração que não entendemos completamente e temos que aceitar pela fé (confesso-o livremente da minha parte), mas há suficiente luz brilhando na Palavra de Deus para nos auxiliar a ver o porquê há algumas coisas que nosso Pai não pode dar-nos, a menos que as peçamos.

A oração é vista, nas Escrituras, como uma função da fé e uma expressão do coração (Mateus 21:23; Romanos 10:1). Em nossas petições, como em nosso louvor, curvamos alegremente nossa vontade diante da vontade dele e declaramos que aquilo que ele quer para nós é o que nós desejamos. Deus pode, na verdade, saber o que necessitamos e estar disposto a dá-lo, porém não ser capaz de fazê-lo por causa de nossa falta de fé íntegra (Tiago 1:5-8). Esta é, certamente, a situação no caso dos mais preciosos tesouros do reino, das coisas de que, verdadeira e realmente, necessitamos: amor, alegria, paz, piedade, benevolência, bondade, todos aqueles sinais da natureza divina que mostram que estamos nos aproximando da imagem de seu Filho (Romanos 8:29). É verdade que há necessidades materiais, como alimento e abrigo, que Deus pode prover sem nosso pedido ou gratidão (Mateus 5:45; Atos 14:16-17), mas ele parece decidido, mesmo aqui, a aumentar nossa confiança voluntária nele (Mateus 6:11 com Deuteronômio 8:2-3). Talvez ele nos trate assim, em assuntos de menor importância, porque ele sabe que nossas necessidades permanentes não nos podem ser concedidas sem a decisão submissa de nossas próprias mentes. A oração é, em sua essência, a abertura de nosso coração para Deus, convidando-o a agir na redenção de nossas vidas. No plano divino das coisas, ele não pode nos compelir, mas apenas se move dentro de nossas personalidades quando lhe damos essa liberdade. Deus, no seu poder, é capaz de saber os mais íntimos pensamentos de toda pessoa, bons ou maus, quer elas queiram, quer não (Hebreus 4:13; 1 Coríntios 4:5), mas a limpeza e a reorientação destes pensamentos não é possível enquanto seu dono não desejar sinceramente que seu coração seja assim sondado, para dele se removerem todos os maus caminhos (Salmo 139:23-24).

Para o iníquo, é uma fonte de pavor saber que Deus conhece os segredos do coração, mas para a alma sincera, submissa, confiante, tal verdade é fonte de inexprimível consolo. O pensar que Deus cuida o bastante para notar o que fazemos e pensamos é tanto humilhante como confortante. E para aquele que, tão cuidadosa e amorosamente sinalizou nosso caminho (Salmo 139:1 e seguintes), e tão perfeitamente conhece nossas necessidades, abrimos nossos corações com máxima fé: "Sonda-me, ó Deus, e conhece o meu coração: prova-me e conhece os meus pensamentos; vê se há em mim algum caminho mau, e guia-me pelo caminho eterno" (Salmo 139:23-24). É justamente este tipo de atitude, na oração, que move a mão de Deus, dando a ele a liberdade para fazer em nossas vidas o que ele sempre quis fazer e nos dar o que ele sempre quis nos dar.

Mas, se o espírito de fé em nossas orações permite a Deus nos conceder o que ele deseja nos dar, ele não é limitado pelo conteúdo de nossas orações. Freqüentemente, não sabemos orar como deveríamos (Romanos 8:26-28) e, em nossa ignorância, pedimos por circunstâncias que não operariam pelo nosso bem. Nosso Pai amoroso nos dará o pão mesmo quando, em nossa inocência, possamos estar pedindo uma pedra (Mateus 7:9-11), e isto é a verdade porque ele "é poderoso para fazer infinitamente mais do que tudo quanto pedimos, ou pensamos" (Efésios 3:20). Que bênção é orar a um Deus como esse!


29. A Oração que nos Ensina a Orar

Jesus traçou três contrastes (6:2-3,5-6,7-8), quando chegamos a Mateus 6:9-15. Estes versículos representam o conselho positivo que nosso Senhor dá, contra as preces mecânicas dos pagãos. Os fariseus, ele nos diz, oram hipocritamente, e os gentios, insensatamente, mas o verdadeiro povo de Deus ora com uma devoção sincera e de todo o coração a ele, e ao seu propósito no mundo.

Esta oração breve veio a ser tradicionalmente identificada como "A Oração do Senhor". Ela não é a oração do Senhor, se quisermos que esta designação sugira que ele mesmo apresentou estas petições. É óbvio que o Cristo sem pecado não poderia juntar-se a um apelo para "perdoar nossas dívidas." Também não é a oração do Senhor, no sentido em que ela seja a única oração cujas palavras têm sua aprovação e a qual, portanto, tem especial aceitação. Não há qualquer evidência, em todo o Novo Testamento, de que esta breve petição tenha jamais sido usada como liturgia. O apóstolo Paulo encheu suas cartas de orações, mas suas ferventes súplicas nunca tomaram a forma do modelo do Senhor, ainda que fossem, certamente, muito influenciadas pelo seu espírito.

A oração que Jesus propõe aos cidadãos do reino é concebida para ser um exemplo, um modelo para ensinamento. Ore assim, ele disse. Aqueles que a transformam num ritual, numa liturgia, e julgam que sua força reside na fórmula correta, pervertem-na, para ser a própria espécie de insensato encantamento que o Mestre tão veementemente abominava. Não há nenhuma mágica em repeti-la, mas há força em entendê-la. Dentro de suas frases simples, podemos aprender as coisas que deveriam ser o tema principal das nossas vidas, bem como nossas orações.

Uma obsessão com coisas ocupava o pensamento e as preces dos gentios (6:25,32), mas os filhos do reino estavam em busca de Deus e de sua justiça. Este fato é revelado na parte inicial do modelo de Jesus.

A oração é dirigida a "Pai nosso, que estás nos céus", uma expressão usada vinte vezes em Mateus, como um título para Deus. Jesus ressalta fortemente, através do Sermão, esta íntima relação pessoal dos seus discípulos com um Deus pessoal (Mateus 5:16,45,48; 6:1,4,6,8,9,14, 15,26,32; 7:11,21). Os cidadãos do reino são filhos de Deus (5:45) e podem dirigir-se a ele de um modo que reivindica o mais íntimo e mais pessoal relacionamento de todos (Romanos 8:15; Gálatas 4:6). A divina Paternidade, da qual Jesus fala, não é a ampla relação que todos os homens têm com ele, na criação (Atos 17:28-29). Este é um relacionamento escolhido pela fé, um relacionamento que se revela no modo marcante que aqueles que o escolhem se assemelham ao seu Pai (Mateus 5:8,44-45,48) e fazem sua vontade (7:21). Assim é como a oração do cristão começa: como um filho dirigindo-se a seu pai, com todos os direitos e privilégios que este relacionamento sugere (7:11). Somente aqueles que receberam o "evangelho do reino" têm o privilégio de dizer "Pai nosso, que estás no céu." Mas não há nada estreitamente exclusivo com esta família. O mundo todo está convidado a entrar nela (Mateus 5:13-16). A escolha é nossa.

As súplicas da oração começam com Deus no centro de interesse. "Santificado seja o teu nome". O "nome" de Deus, neste apelo, se refere, como em outros lugares das Escrituras, não a uma palavra em particular, mas à natureza, o caráter e a personalidade de Deus (veja o uso inverso de pessoa e nome no Salmo 91:14 e João 1:12). Santificar o nome de Deus significa simplesmente reverenciá-lo, colocá-lo naquele alto e santo lugar que lhe pertence, como o Deus de toda a criação e o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo. Naturalmente, ele já é o santo Deus e não há meio sob nosso comando para torná-lo mais santo. A preocupação desta petição é que homens em toda parte reconheçam, em seus próprios corações e vidas, o que é manifestamente verdadeiro. Cada filho deste Pai deseja que todos os outros corações o conheçam e o glorifiquem. Assim, nossas orações devem começar, não com uma preocupação para conosco, mas com uma preocupação pela honra de nosso Pai. A oração deve começar com louvor.

Este tema é continuado na súplica "Venha o teu reino, faça-se a tua vontade, assim na terra como no céu". Cremos que esta dupla petição seja um caso de paralelismo, a mesma coisa repetida com palavras diferentes. O grego para reino (basileia) tem em sua raiz a idéia de soberania e domínio e sugere, apenas por extensão, os conceitos acessórios de território e súditos. Este "reino" é o domínio do céu, na pessoa de Jesus Cristo, e o reino não vem a nações ou a terras, mas a indivíduos que aceitam a vontade de Deus em seus corações. O reino de Deus foi destinado a vir em poder do Senhor crucificado e ressuscitado (Marcos 9:1; Romanos 1:4), mas a preocupação, nesta petição como na anterior, não é que o poder seja dado a Cristo (o que era inevitável) mas que os homens o reconhecessem e se submetessem a esse poder alegremente. Assim, a oração é estendida, mas a preocupação continua a mesma: que o nome de Deus seja exaltado, que os propósitos de Deus sejam cumpridos, que a vontade de Deus seja feita entre os homens. Nossas orações precisam ser preenchidas, de uma maneira preeminente, com esta preocupação central e vital. Deveria ser suprema, na mente de cada filho de Deus. De outro modo, nossas orações por outras necessidades ficarão para sempre desconjuntadas e deslocadas. Esta é uma das lições da oração-modelo.


30. Deus se Preocupa com "Pequenas Coisas", Também

A ordem da oração-modelo de Jesus esclarece que a glória de Deus e o cumprimento de sua vontade no mundo têm sempre que estar no centro da vida e do pensamento do cristão. Suas orações, como sua vida, deveriam começar e terminar ali. É justamente em tal nota que o trecho do Sermão que contém esta oração instrutiva conclui (Mateus 6:33). Entretanto, isto não exclui que trazemos nossas próprias necessidades e fardos ao trono de Deus. Isto se torna evidente pelas três (alguns dizem quatro) súplicas conclusivas da oração (Mateus 6:11-13). Todas estas centram-se em necessidades humanas básicas.

"O pão nosso de cada dia dá-nos hoje" (Mateus 6:11). Com estas palavras, o Senhor faz uma súbita mudança da exaltação para uma coisa comum. A aparente descontinuidade dela fez com que muitos antigos comentaristas espiritualizassem o "pão", mas não há nada no contexto que o justifique. Na superfície das coisas, simplesmente parece que as considerações materiais devessem ser deixadas por último, depois do perdão e da força para resistir à tentação. Mas não é aí que Jesus as põe (tanto aqui como em Lucas 11:2-4). Ele, certamente, não pretende que as necessidades materiais se tornem a preocupação predominante (Mateus 6:19-32), mas também ele não está diminuindo sua importância. O "Verbo" que se fez carne entendeu, por experiência, as necessidades corporais dos homens (Hebreus 2:18; 4:15) e demonstrou quão seriamente ele as tomou em sua compaixão pelos enfermos e pelos famintos (Marcos 1:40-41; Mateus 15:32; 25:41-43). A inclusão desta breve súplica demonstra que não há assunto tão pequeno que não o possamos trazer, com confiança, ao nosso Pai. Paulo insiste nisto: "Não andeis ansiosos de cousa alguma; em tudo, porém, sejam conhecidas diante de Deus as vossas petições, pela oração e pela súplica" (Filipenses 4:6). Pedro diz o mesmo: "...lançando sobre ele toda a vossa ansiedade, porque ele tem cuidado de vós" (1 Pedro 5:7). Uma vez que tenhamos determinado fazer sua vontade a todo custo, podemos falar livremente com ele de todas as nossas necessidades, desde a menor até a maior.

Esta simples petição fala, não somente, da ampla abrangência do cuidado de Deus, mas de nossa própria total dependência dele. "Pão", como aqui usado, provavelmente representa todas as necessidades corporais da vida: alimento, abrigo, saúde, família, etc. Em qualquer caso, não podemos, com nossa desassistida força, suprir uma delas sequer. Como Clovis Chapell observou certa vez, não seríamos mais capazes de criar um pão do que de criar o universo. "Ao Senhor pertence a terra e tudo o que nela se contém" (Salmo 24:1). Daí não termos outra escolha que não confiar em Deus, mesmo ao mais elementar nível.

A tradução "pão de cada dia" é algo como uma conjetura educada, desde que a expressão "de cada dia", não ocorre com certeza em qualquer outro lugar da literatura grega. Ela pode sugerir o pão para o dia vindouro ou o pão suficiente para nos sustentar. Em qualquer dos casos, Jesus nos ensina a não pedir mais do que o suprimento para um dia. Isto é uma dura tarefa para pessoas como nós, inclinados a sermos capazes de nos desesperar, se não tivermos garantida e bem guardada uma provisão para a vida inteira. Se seguirmos o conselho do Senhor, deixaremos de confiar no pão (João 6:25) e aprenderemos a nos apoiar inteiramente em Deus e em suas promessas. Aprendendo a viver confiantes com o que temos cada dia traz-nos à mente o experimento do maná de Deus com Israel, enquanto eles estavam no deserto. "Ele te humilhou," escreveu Moisés, "e te deixou ter fome, e te sustentou com o maná . . . para te dar a entender que não só de pão viverá o homem, mas de tudo o que procede da boca do Senhor" (Deuteronômio 8:3). Jesus já tinha usado esta passagem uma vez, com grande proveito (Mateus 4:4). Podemos fazer o mesmo.

Como quer que, então, pudesse ter parecido a princípio que esta oração pelo pão fosse uma súplica de um nível muito baixo, ela se revela ter um poderoso benefício espiritual. Ela nos ensina a fé. E esta é uma oração para o pobre como para o rico, igualmente; pois não importa quão pouco ou muito tenhamos ou quão duramente lutemos para obtê-lo e conservá-lo, só Deus pode adquiri-lo. Se aprendermos a confiar nele, os filhos de Deus podem viver serenamente na confiança já expressa por Davi: "Fui moço, e já, agora, sou velho, porém jamais vi o justo desamparado, nem a sua descendência a mendigar o pão" (Salmo 37:25). E se aprendermos este tipo de confiança sobre o pão, ela nos libertará para irmos em busca de coisas que são ainda mais importantes.


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